O novo papel de Abiraterona no tratamento do câncer de próstata metastático sensível à castração

O novo papel de Abiraterona no tratamento do câncer de próstata metastático sensível à castração

O estudo LATITUDE foi um dos grandes destaques da ASCO 2017, tendo sido apresentado em sessão plenária. Seus resultados, em conjunto com os dados do STAMPEDE, fazem com que para muitos experts o uso de Abiraterona concomitantemente ao bloqueio androgênico seja o novo padrão-ouro no tratamento do câncer de próstata metastático recém-diagnosticado sensível à castração. Confira aqui os detalhes desse trabalho, publicado ainda em junho, no New England Journal of Medicine.

O novo papel de Abiraterona no tratamento do câncer de próstata metastático sensível à castração

Nos últimos anos, um grande progresso tem sido observado no tratamento do câncer de próstata metastático resistente à castração. Drogas como Abiraterona, Enzalutamida, Docetaxel, Cabazitaxel e Radium-223 melhoraram significativamente as curvas de sobrevida dessa população, revolucionando a história natural dessa moléstia.
Os avanços na doença sensível à privação androgênica, contudo, foram mais discretos. A castração química ou cirúrgica permaneceu como única modalidade terapêutica, até a recente publicação do estudo CHAARTED. Seus dados revelaram extraordinário ganho de 13,6 meses de sobrevida global com Docetaxel associado precocemente ao bloqueio hormonal.1
Em um cenário carente de informações que fundamentem o uso de hormônios de última geração num contexto virgem de tratamento, os resultados dos estudos LATITUDE e STAMPEDE estão entre os mais intrigantes e capazes de mudar a prática clínica, dentre os apresentados na ASCO 2017. Em conjunto, eles sugerem que homens com câncer de próstata metastático de alto risco sensíveis à castração se beneficiam da adição precoce de Abiraterona à terapia de privação hormonal, na mesma proporção em que haviam sido favorecidos pela quimioterapia no CHAARTED.
Os autores do LATITUDE selecionaram exclusivamente homens com câncer de próstata metastático sensíveis à castração, diagnosticados até três meses antes da randomização. Ainda, como critérios de inclusão, dois dos três fatores de risco a seguir deveriam estar presentes: escore de Gleason de 8 a 10; três ou mais lesões ósseas; lesão visceral mensurável.2
Os 1.199 inscritos foram randomizados 1:1 para receber terapia de privação androgênica (ADT) em conjunto com Abiraterona e prednisona (n=597) ou ADT associada a placebo (n=602). Tanto a castração química quanto a cirúrgica foram permitidas, devendo os níveis de testosterona sérica permanecer abaixo de 50 ng/dL. Abiraterona foi administrada, como de costume, na dose de 1.000 mg/dia, a passo que a dose de prednisona foi reduzida de 10 mg para 5 mg diários.2
Os dois objetivos primários foram sobrevida global e sobrevida livre de progressão radiológica. Os objetivos secundários predeterminados foram: tempo de progressão do PSA, tempo para o próximo evento ósseo sintomático, tempo para a próxima terapia, tempo para a iniciação de quimioterapia, tempo para a progressão da dor. O seguimento dos pacientes foi feito por imagens (TC, RM e cintilografia óssea) a cada quatro meses e por dosagens de PSA mensalmente no primeiro ano, e a cada dois meses nos anos subsequentes. Foram planejadas três análises interinas: a primeira, após 50% dos eventos; a segunda, após 65% dos eventos; e a análise final, após 856 mortes ou progressões radiológicas.2
Os dados publicados correspondem aos da 1a análise e já revelam uma expressiva redução no risco de morte, da ordem de 38%, favorecendo o uso de Abiraterona em conjunto com ADT (HR 0,62; 95% CI 0,51- 0,76; P<0,001). O medicamento também proporcionou redução de 53% do risco de progressão radiológica, mais que dobrando a mediana de tempo, cujo aumento foi de 14,8 para 33 meses (HR 0,47; 95% CI 0,39 a 0,55; P<0,001). Os benefícios foram percebidos em todos os subgrupos avaliados e a magnitude desses achados forçou o desmascaramento do estudo pelo comitê de segurança independente. Assim, o crossover dos pacientes do grupo placebo foi autorizado para que recebessem a combinação.2 A superioridade de Abiraterona também foi contundente em todos os endpoints secundários. Houve redução do risco de progressão do PSA em 70%, do risco de evento ósseo sintomático em 30% e da necessidade de terapias subsequentes em 50%. Apesar de mais frequentes, os eventos adversos no braço de Abiraterona foram administráveis. De interesse particular são aqueles relacionados ao efeito tóxico mineralocorticoide: hipertensão e hipocalemia, ocorridos em 20% e 10% dos usuários, respectivamente. Modificações de dose foram necessárias em 32% dos que receberam Abiraterona e em 17% dos pacientes controle, enquanto os índices de descontinuação foram de 12% e 10%, respectivamente.2 A aprovação de Abiraterona nesse cenário será responsável por importantes mudanças de paradigmas no tratamento do câncer de próstata sensível à castração. Ainda mais porque os dados apresentados pelo STAMPEDE, que recrutou também pacientes N0M0 (27% da amostra) e N+M0 (20% da amostra), sugerem que a droga será empregada em momentos ainda mais precoces. O trial estampou 37% de redução do risco de morte na população estudada (HR: 0,63, 95% CI: 0,52-0,76; P=0,00000015), ainda que metástases à distância não pudessem ser comprovadas em quase a metade dos pacientes incluídos (cerca de 47% eram M0).3 Tanto o CHAARTED quanto o LATITUDE trazem resultados promissores. Comparações cross-trial entre eles revelam benefícios quase idênticos para as duas estratégias (HR 0,63 versus 0,62, respectivamente). Assim, dúvidas persistem quanto à conduta mais apropriada em cada caso. O melhor perfil de toxicidade da Abiraterona pesa favoravelmente para sua escolha, ao passo que, na análise de custos, Docetaxel leva vantagem. O tempo de terapia com a droga oral também é um fator negativo. A duração do tratamento no LATITUDE foi de 33 meses em média, enquanto Docetaxel foi administrado por apenas 6 ciclos no CHAARTED, totalizando aproximadamente cinco meses. Por fim, outras perguntas que ficam sem resposta referem-se às próximas linhas terapêuticas: usando Abiraterona ainda na doença hormônio-sensível, qual será o sequenciamento mais adequado para terapias futuras, quando o câncer se tornar resistente à castração? Reexposições a Abiraterona ainda serão efetivas nesse cenário? Mutações de resistência androgênica se desenvolverão mais precocemente dificultando a ação de outros super-hormônios no futuro? Por enquanto, a Abiraterona reina soberana nessa indicação, mas grandes estudos de fase III com outros agentes estão em andamento. Enzalutamida, Apalutamida e Darolutamida, os últimos dois ainda off-label no Brasil, parecem promissores e competirão por espaço nesse mercado. Na verdade, esses são apenas os primeiros parágrafos de um capítulo ainda cheio de descobertas nessa história. Bem-vindo à nova era do tratamento do câncer de próstata sensível à terapia de privação androgênica. Instituto Oncoclínicas Referências: 1- Sweeney CJ et al. Chemohormonal Therapy in Metastatic Hormone-Sensitive Prostate Cancer. N Engl J Med 2015; 373:737-746. DOI: 10.1056/NEJMoa1503747. 2- Fizazi K, Tran N, Fein L et al. Abiraterone plus Prednisone in Metastatic, Castration-Sensitive Prostate Cancer. N Engl J Med. 2017 Jul 27;377(4):352-360. doi: 10.1056/NEJMoa1704174. Epub 2017 Jun 4. 3- James ND, de Bono JS, Spears MR et al. Abiraterone for Prostate Cancer Not Previously Treated with Hormone Therapy. N Engl J Med. 2017 Jul 27;377(4):338-351. doi: 10.1056/NEJMoa1702900. Epub 2017 Jun 3.