14 dez MÉTODOS PARA REDUÇÃO PÓS-OPERATÓRIA DE INFECÇÕES EM SÍTIOS CIRÚRGICOS APÓS CIRURGIAS ONCOLÓGICAS DE CABEÇA E PESCOÇO
A infecção de sítio cirúrgico é uma complicação comum após as cirurgias de pacientes com tumores de
cabeça e pescoço. A incidência reportada dessas infecções nos trabalhos científicos varia muito, e a literatura
é heterogênea. Séries individuais definem seus resultados baseados em diferentes critérios de infecção, tipos
de cirurgias, sítios tumorais, classificação de feridas e população de pacientes. Portanto, a interpretação dos
MÉTODOS PARA REDUÇÃO PÓS-OPERATÓRIA DE INFECÇÕES EM SÍTIOS CIRÚRGICOS APÓS CIRURGIAS ONCOLÓGICAS DE CABEÇA E PESCOÇO
A presente revisão teve por objetivo sumarizar a literatura quanto à infecção de sítios cirúrgicos pós-ressecções
na região da cabeça e pescoço e gerar recomendações de melhores práticas baseadas em evidências para
redução de infecções pós-operatórias.
Apesar da existência dos critérios acima, eles não se aplicam necessariamente à deiscência de ferida ou à
formação de fístula orofaringeocutânea. Além do mais, celulites são de difícil diagnóstico em áreas irradiadas
por causa do eritema e da hiperpigmentação que podem ser sinais de infecção ou de dermatite pós-radiação, e
celulite, apenas, não constitui infecção de sítio cirúrgico profundo de acordo com os critérios do CDC.
Feridas de cabeça e pescoço são divididas em quatro classes, de acordo com os critérios do CDC:
1) Limpas: são aquelas sem inflamação e que não envolvem os tratos respiratórios ou alimentar.
2) Limpas-contaminadas: são aquelas sem inflamação e nas quais os tratos respiratórios ou alimentar
foram manipulados sob condições controladas.
Definição de infecção em sítio cirúrgico de incisão profunda de acordo com o centro norte-
americano para prevenção e controle de doença (CDC)
Ao menos um dos seguintes critérios deve ocorrer em 30 dias após a cirurgia:
. Drenagem purulenta pela incisão;
. Deiscência espontânea da incisão ou ferida aberta ou aspiração pelo cirurgião ou cultura positiva na
incisão, paciente febril (> 38°C) ou paciente com presença de dor localizada e edema;
. Detecção de abscesso ou infecção envolvendo tecido profundo da ferida ao exame físico, durante
procedimento invasivo ou exame histopatológico ou exames de imagem.
3) Contaminadas: ocorrem quando há quebra maior de técnica estéril ou derramamento grosseiro do
trato alimentar ou quando alguma inflamação não purulenta é observada, incluindo necrose tecidual.
4) Sujas ou infectadas: incluem feridas de trauma antigo com presença de tecido desvitalizado e com
existência clínica de infecção ou perfuração de víscera, sugerindo presença de infecção local prévia à
manipulação cirúrgica.
A revisão teve seu foco voltado às feridas limpas-contaminadas, uma vez que essas compreendem a vasta maioria
das cirurgias de maior porte e cirurgias reconstrutoras de câncer de cabeça e pescoço.
As frequências reportadas de infecções de sítios cirúrgicos pós-cirurgias oncológicas de cabeça e pescoço variam
entre 3% e 41% dentre os diversos trabalhos publicados. Além disso, os fatores de risco associados às infecções
após cirurgias diferem dentre os vários estudos.
A revisão avaliou 19 estudos científicos, publicados entre 2004 e 2016, com número de pacientes incluídos
variando entre 84 e 697, sendo que a maior parte foi submetida a cirurgias limpas-contaminadas (41%–100%)
e boa parte da amostra havia recebido radioterapia previamente (0%–100%). Os pacientes poderiam ou não ter
sido submetidos à cirurgia anterior, os sítios cirúrgicos primários foram diversos dentre os tumores de cabeça e
pescoço, e houve infecção entre 3% e 41% das vezes.
Os fatores de risco foram avaliados em cada um dos estudos e categorizados:
Tipo de cirurgia Trato aerodigestivo alto, cirurgias limpas-contaminadas, traqueostomia e reconstrução de fístula osteocutânea com retalho.
Fatores cirúrgicos Duração da cirurgia, perda sanguínea na cirurgia, perda de retalho, revisão
microcirúrgica e extensão cirúrgica.
A antibioticoterapia profilática não é recomendada como rotina para cirurgias limpas de cabeça e pescoço
como tireoidectomias, parotidectomias e excisão de glândula submandibular, uma vez que infecções desses
sítios cirúrgicos ocorrem em menos de 1% dos casos.2
Dentre as cirurgias limpas-contaminadas do câncer de cabeça e pescoço, a frequência de infecções pode
chegar a 100%, se não for feito o uso de antibiótico profilático, quando há violação da cavidade oral, faríngea
ou laríngea. Estudos com placebo controlados, randomizados e revisões retrospectivas mostraram eficiência do
uso profilático de cefalosporinas endovenosas, ampicilina–sulbactam endovenoso ou amoxicilina–clavulanato
oral, com redução de 3%-25% de infecção de sítio cirúrgico. Quando comparados a placebo, os esquemas
de profilaxia levam à diminuição de 78% e 87% de infecções pós-cirurgias oncológicas de cabeça e pescoço,
respectivamente.
Um robusto corpo de evidência suporta a conclusão de que a antibioticoprofilaxia perioperatória é indicada a
pacientes que serão submetidos à cirurgia limpa-contaminada de cabeça e pescoço e que múltiplos regimes
de tratamento são igualmente eficazes na prevenção de infecção pós-operatória.
A clindamicina profilática, usada especialmente em pacientes alérgicos a penicilina, mostrou, em estudos
Fatores médicos
Classificação de acordo com score de risco de capacidade física da Sociedade
Americana de Anestesiologia (ASA), idade avançada, diabetes e índice de massa
corporal aumentado.
Fatores que afetam a
cicatrização da ferida
Status nutricional, hipoalbuminemia, hipotireoidismo, tabagismo, uso de tabaco
mastigável, colonização por Staphylococcus aureus resistente à meticilina.
Terapias prévias Radioterapia (> 60 Gy) e cirurgia.
Antibiótico profilático Clindamicina (eleva a resistência bacteriana).
diversos, uma associação com maior risco de infecção de sítio tumoral pós-cirurgias de cabeça e pescoço. Os
dados atuais sugerem que este antibiótico é insuficiente na redução de infecção de sítio cirúrgico, aumenta os
índices de resistência bacteriana e, portanto, não deve ser indicado para essa finalidade.3
O uso da antibioticoprofilaxia foi testado com diferentes esquemas de duração (de 24 horas a sete dias), e os
dados agregados de múltiplos estudos confirmam que o uso de antibióticos profiláticos por 24 horas é igual
ou mesmo superior a outros regimes mais longos.
As técnicas cirúrgicas para tratamento dos cânceres de cabeça e pescoço podem levar a extensas ressecções
de tecidos dessa região. Tal fato leva a outros desafios, como a reconstrução da região operada após a
tumorectomia. O uso de tecidos vascularizados é um desafio no restabelecimento da barreira protetora aos
tecidos internos.
Fatores como radioterapia e quimioterapia prévias são comuns e aumentam o risco de fistulização, infecção
de sítio cirúrgico e complicação da cicatrização da ferida operatória.
Quatro revisões sistemáticas avaliaram como o uso de tecidos vascularizados influenciam na incidência de
fístulas faringocutâneas após laringectomias totais. Todas elas compararam a frequência de formação de
fístulas faringocutâneas dentre pacientes submetidos à reconstrução com tecido vascularizado e aqueles com
fechamento primário da ferida operatória.
Essas revisões compreendiam 59 trabalhos científicos com um total de 6.330 pacientes. Três dos quatro estudos
confirmaram benefício na redução da ocorrência de fístulas a partir da reconstrução com tecido vascularizado.
Resultados cumulativos mostraram redução do risco relativo para formação de fístulas de aproximadamente
50% com frequência de fistulização de 14% nas reconstruções com tecido contra 28% naqueles procedimentos
de fechamento primário da ferida.
Os autores de três das quatro revisões recomendam o uso profilático de tecidos vascularizados para prevenção
de fístulas faringocutâneas após laringectomia total. Da mesma forma, metanálises suportam essa indicação
profilática, confirmam haver redução na frequência, tamanho e severidade das fístulas faringocutâneas após laringectomia total.
Esses estudos mostraram ainda que são fatores de risco independentes para formação de fístulas faringocutâneas:
doença pulmonar obstrutiva crônica, contagem de hemoglobina menor que 12,5 g/dL, transfusão de sangue,
radioterapia prévia ou quimiorradioterapia, tumores primários avançados, sítios supraglóticos, sítio tumoral
hipofaringeal, margens cirúrgicas positivas e dissecção simultânea de pescoço.
O estudo de revisão conclui que, no futuro, além da antibioticoterapia profilática, medidas nutricionais pré
e pós-operatórias farão parte do escopo de ações do médico a fim de prevenir e reduzir a ocorrência das
infecções de sítio cirúrgico dos procedimentos oncológicos.
O estudo pode ser lido na íntegra no seguinte endereço:
http://www.thelancet.com/pdfs/journals/lanonc/PIIS1470-2045(17)30375-3.pdf
1. Cannon, RB, Houlton JJ, Mendez E, Futran ND. Methods to reduce postoperative surgical site
infections after head and neck oncology surgery. The Lancet Oncology. 2017 Jul 18;7: e405-13. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(17)30375-3.
2. Johnson JT, Wagner RL. Infection following uncontaminated head and neck surgery. Arch Otolaryngol
Head Neck Surg 1987;113:368-69.
3. Langerman A, Ham SA, Pisano J, Pariser J, Hohmann SF, Meltzer DO. Laryngectomy complications
are associated with perioperative antibiotic choice. Otolaryngol Head Neck Surg. 2015;153:60-68.