16 jan Imunoterapia em câncer de ovário, endométrio e colo uterino: estado da arte e perspectivas futuras
INTRODUÇÃO
Prezados(as) doutores(as),
Compartilhamos mais uma de nossas newsletters científicas. Nesta edição, apresentamos um resumo com os principais destaques do relevante artigo intitulado Immunotherapy in ovarian, endometrial and cervical cancer: state of the art and future perspectives, veiculado pela revista Cancer Treatment Reviews. O trabalho aborda o papel da imunoterapia no tratamento dos tumores de ovário, endométrio e colo uterino e é de autoria de um grupo de estudiosos italianos, liderados pelo Dr. Jole Ventriglia.
E, dando continuidade às ações do Programa de Educação Médica Continuada do Instituto Oncoclínicas, temos o prazer de disponibilizar este material. Esperamos que seja de grande utilidade a todos os envolvidos no cuidado do paciente e nos colocamos à disposição.
Instituto Oncoclínicas
Imunoterapia em câncer de ovário, endométrio e colo uterino: estado da arte e perspectivas futuras
Os tumores do trato genital feminino representam importante causa de morbidade e mortalidade entre mulheres em todo o mundo. Essas malignidades diferem uma das outras por características moleculares e biológicas, além de apresentarem comportamentos clínicos distintos. Apesar das diferenças, quando os tumores ginecológicos progridem a estádios avançados/metastáticos, todos compartilham de prognóstico pobre.
Nos últimos anos ocorreram progressos substanciais no entendimento do câncer de ovário, com o conhecimento sobre tumores BRCA-mutados e o desenvolvimento recente das drogas inibidoras de PARP. Já nos tumores de colo uterino, os avanços tangem o rastreamento extensivo e a difusão da vacinação com o HPV (papilomavírus humanos).
A imunoterapia é uma nova plataforma tecnológica, que há alguns anos surgiu como uma opção a mais no arsenal de drogas contra o câncer. O seu uso é bem estabelecido no tratamento das neoplasias de pulmão, rim e melanoma, por exemplo. No entanto, segue sendo um desafio ao oncologista o tratamento das neoplasias ginecológicas em estádios avançados, especialmente daquelas resistentes às platinas. Logo, teria a imunoterapia relevância no tratamento das neoplasias ginecológicas? Qual seria a aplicação dessas novas drogas numa época em que drogas-alvo estão tão em evidência?
A imunoterapia é uma nova fronteira no tratamento das neoplasias do trato ginecológico. Há consistentes dados que suportam a imunogenicidade das malignidades de ovário, endométrio e colo uterino. Mas qual seria o potencial terapêutico dessas novas drogas e quais estudos científicos estão em andamento? Na busca por tais respostas, os pesquisadores iniciaram pesquisas nos bancos de dados (quadro abaixo) usando termos como: infiltração tumoral CD4/CD8, expressão PD1/PD-L1, infiltração tumoral por linfócitos/macrófagos, ambiente imune, inibidores de checkpoint imune, anticorpos anti-PD1/anti-PD-L1, anti-IDO (indoleamina 2,3-dioxigenase), transferência celular adaptativa, nivolumabe, pembrolizumabe, atezolizumabe, avelumabe, durvalumabe e tremelimumabe.
Métodos
A pesquisa foi dividida em três passos para cada malignidade:
Câncer de ovário:
1- Pesquisa no Pubmed por estudos pré-clínicos
2- Estudos clínicos
3- Estudos em andamento (clinicaltrials.gov) e resultados preliminares (www.asco.org)
Câncer de endométrio:
1- Pesquisa no Pubmed
2- Estudos clínicos
3- Estudos em andamento (clinicaltrials.gov) e resultados preliminares (www.asco.org)
Câncer de colo de útero:
1- Pesquisa no clinicaltrials.gov
2- Estudos clínicos
3- Resultados preliminares (www.asco.org)
De acordo com o seu mecanismo de ação, a imunoterapia pode ser classificada em ativa, passiva e em imunomodulação. A primeira é baseada na ideia de estimular o sistema imunológico dos pacientes usando vacinas anticâncer contra as células do tumor como um todo ou ácidos nucleicos/peptídeos tumorais. Tal abordagem tem efeito mais duradouro e tem potencial para induzir memória imunológica, mas é associada à resposta lenta e à ineficiência em pacientes imunocomprometidos.
A imunoterapia passiva consiste na administração de componentes imunes sintéticos a fim de induzir resposta tumoral. Para tal, diferentes técnicas podem ser utilizadas: transferência celular adaptativa (transfusão alogênica ou autóloga de linfócitos T citotóxicos ou linfócitos infiltrados no tumor), anticorpos (anti-PD1, anti-CTLA4 e BiTE – bispecific T-cell engager) e citocinas. Por último, a imunomodulação inclui drogas de difícil classificação, como as IDO (indolomanina 2,3-dioxigenase) e os inibidores da COX-2 (ciclo-oxigenase 2).
Imunoterapia no câncer epitelial de ovário
Vários grupos de pesquisa confirmam que há relação entre o número de linfócitos infiltrados no tumor e sobrevida global. Há 13 anos, Zhang et al. analisaram 186 amostras congeladas de tumores ovarianos e encontraram sobrevida em 5 anos de 38% para aquelas neoplasias com infiltração por linfócitos T CD-3 positiva contra 4,5% (p < 0.001) naqueles tumores sem a infiltração linfocitária.
O Atlas Genômico do Câncer (TCGA) recentemente identificou seis subgrupos moleculares de cânceres epiteliais de ovário, dentre esses há um “imunorreativo”, o que foi caracterizado pela expressão de ligantes CXCL10 e CXCL11 e pelo receptor do gene CXCR3. Existe ainda a correlação entre a presença de monócitos PD-1 positivos no líquido ascítico e no sangue de pacientes com tumores de ovário avançados e menor sobrevida.
A ação do nivolumabe na doença platinorresistente foi avaliada em estudo fase I, e os resultados parecem promissores. Apesar da pequena amostra (apenas 15 pacientes), 20% das mulheres apresentaram resposta parcial e 26% doença estável após o tratamento.
No estudo KEYNOTE 028, fase IB, foi testada a ação do pembrolizumabe em uma gama de diferentes tumores sólidos, e os resultados preliminares apresentados em 2015 mostraram melhor sobrevida global em 11,5% (95% CI, 2.4-30.2) e seis de 26 pacientes obtiveram redução do volume tumoral, sendo que três delas alcançaram mais de 30% de diminuição nas massas tumorais. Eventos adversos ocorreram em 69,2% das mulheres.
Atualmente, o pembrolizumabe está incluso em estudos fase II em andamento nos Estados Unidos e na Europa, em combinação com carboplatina e paclitaxel na primeira linha. No MD Anderson Cancer Center, o estudo em andamento avalia a combinação das drogas na neoadjuvância (seguida de cirurgia para citorredução), e o grupo europeu estuda a imunoterapia nas mulheres com alguma contraindicação ao uso de bevacizumabe.
O avelumabe está sendo empregado em estudo fase IB para tratamento de tumores refratários/recorrentes. Resultados preliminares confirmam bom perfil de segurança (6,5% de eventos graus 3/4) e atividade clínica (sobrevida livre de progressão média de 11,3 semanas e sobrevida global média de 10,8 meses). Atualmente, há um estudo em andamento que compara a nova droga com doxorrubicina lipossomal peguilada, em primeira linha, para pacientes com doença platinorresistente/refratária.
Outros estudos já estão em andamento avaliando drogas como motolimod (Toll-like receptor 8 agonist), indoximod (IDO – enzima intracelular que degrada o triptofano) e o atezolizumabe em combinação com bevacizumabe e ácido acetilsalicílico, em primeira linha, para doença avançada.
Imunoterapia no câncer epitelial de ovário BRCA-mutado
Neste cenário, os anticorpos anti-PD1 e anti-PD-L1 já demonstraram clara eficácia nos tumores com alta carga mutacional, como no câncer de pulmão e melanoma. Isso ocorre por esses tumores produzirem mais neoantígenos específicos, o que leva à estimulação de linfócitos T que infiltram a neoplasia e levam à superexpressão de PD1/PD-L1.
Em câncer de ovário, 25%-30% dos tumores de alto grau carregam mutação do BRCA (germinativa ou somática). Estudo recente mostrou que a deficiência na recombinação homóloga é associada à sensibilidade desses tumores a inibidores da PARP e, da mesma forma, essas neoplasias podem ser mais sensíveis aos anti-PD1 e anti-PD-L1. Atualmente, há um estudo fase I/II avaliando a combinação de olaparibe (inibidor da PARP), durvalumabe (anti PD1) e tremelimumabe (Anti-CTLA-4) em pacientes com tumor epitelial de ovário BRCA1/BRCA2-mutado e recorrentes/refratários à quimioterapia. Dados preliminares já apresentados em 2016 mostraram taxa de controle da doença de 67% quando do emprego do doublet olaparibe/durvalumabe em pacientes com tumor de mama triplo negativo e câncer epitelial de ovário e mutação do BRCA.
Imunoterapia no câncer de células claras do ovário
Esse é um subtipo de câncer epitelial de ovário caracterizado por pior prognóstico quando diagnosticado em estádios avançados, pois é associado a menor sensibilidade à quimioterapia. Strickland et al. avaliaram 30 tumores de células claras de ovário e mostraram que esse tipo tumoral exibe 10% de instabilidade de microssatélite e 27% de perda do gene ARID1A/BRAF250. Houve ainda correlação entre a estabilidade de microssatélites e alta carga de infiltração tumoral por linfócitos T CD3 e positividade de PD-1 nos mesmos linfócitos. Os pesquisadores sugerem que esses tumores podem ser alvos promissores à imunoterapia.
Imunoterapia no câncer de endométrio
O estudo KEYNOTE 028 incluiu 24 mulheres com câncer de endométrio, e resultados preliminares apresentados em 2016 mostraram taxa de resposta global de 13%, três pacientes com doença estável, 19% de sobrevida livre de progressão e 68,8% de sobrevida global, em seis meses. Todas as pacientes já haviam recebido ao menos duas linhas prévias de quimioterapia. Nesse estudo, o pembrolizumabe demonstrou perfil de segurança aceitável.
Nos dias de hoje, o doublet de nivolumabe e ipilimumabe está sob testes num estudo que inclui diferentes coortes de tumores raros (NCT02834013). O pembrolizumabe está ainda sob investigação em outros estudos clínicos: em combinação com carboplatina e paclitaxel na neoadjuvância (doenças potencialmente ressecáveis) e na doença recorrente/refratária (população selecionada com POLE-mutation/hypermutation ou MMR deficiency).
O atezolizumabe é outro imunoterápico que vem sendo avaliado para uso em combinação com carboplatina e ciclofosfamida em um protocolo de estudo fase IB. Trata-se de uma coorte com diferentes tipos tumorais. O avelumabe está sendo estudado no MITO END 3, estudo fase II, que compara quimioterapia isolada (carboplatina e paclitaxel) e QT mais a imunoterapia, seguido de avelumabe na manutenção. O estudo inclui mulheres em primeira ou segunda linha de tratamento.
Imunoterapia no câncer de colo uterino
A incidência dessa doença tende a diminuir consideravelmente na população de mulheres que possuem acesso a amplos programas de vacinação. Esse câncer, porém, ainda tem prognóstico extremamente pobre quando diagnosticado tardiamente e segue como a causa mais comum dentre os tumores ginecológicos em todo o mundo.
A imunoterapia nesses tumores tem o papel de restabelecer a função do sistema imunológico contra a infecção ao HPV e na prevenção da malignização de lesões pré-malignas do colo do útero.
No contexto do câncer de colo uterino, um composto de Listeria monocytogenes viva atenuada (DSXS11-001), que é capaz de secretar proteínas de fusão HPV-16-E7, foi usado em combinação com cisplatina. O estudo, que é fase II, indiano, incluiu 110 mulheres portadoras de tumores recorrentes/refratários. A combinação levou a 38,5% de sobrevida em 12 meses com um perfil de toxicidade aceitável, especialmente nas pacientes que receberam três ou mais doses da imunoterapia. Um estudo fase III está em andamento e testa a combinação associada à radioterapia.
O KEYNOTE 028 também incluiu 24 pacientes com câncer de colo uterino, e houve 13% de taxa de sobrevida livre de progressão em seis meses, além de 66,7% de sobrevida global no mesmo período.
O ipilimumabe está sob testes para uso isolado, após quimio e radioterapia em estudo fase I que inclui pacientes com doença de estádios IB2-IIB ou IIIB-IVA. A droga ainda é foco de atenção em outro estudo, mas em combinação com nivolumabe, em tumores com diferentes tipos de vírus de HPV.
O estudo do Dr. Jole Ventriglia conclui que, indubitavelmente, há um grande esforço a fim de se aplicar a imunoterapia nos tumores ginecológicos. Entretanto, como em outras malignidades, os resultados preliminares não são tão convincentes como foram os com os tumores de rim, pulmão e melanoma.
Alguns aspectos são controversos com relação à seleção das pacientes: como a expressão de PD1/PD-L1 pode representar fator preditivo de resposta? O nível de infiltração tumoral por linfócitos e a análise da carga de neoantígenos seriam testes aplicáveis na prática clínica?
As respostas para tais perguntas podem ainda ser mais difíceis se mencionarmos que ainda não há uma classificação padronizada aos parâmetros que, hoje, são considerados em tais testes e que os espécimes patológicos usualmente provêm da cirurgia/biópsia iniciais. Em tal contexto, a instabilidade gênica do câncer, especialmente dos tumores epiteliais de ovário, não é considerada e, dessa forma, mulheres podem ser privadas de um tratamento potencialmente ativo.
Adicionalmente às dificuldades acima mencionadas, no caso de tumor sensível a imunoterapia e aos inibidores da PARP, qual seria a melhor estratégia na exposição das pacientes a ambas as drogas? Esta é uma importante questão se levamos em conta a progressiva deterioração do sistema imunológico ao longo do curso da doença e à extrema instabilidade dos tumores hipermutados.
No caso do câncer de endométrio, recentemente, as mutações de JAK1 e JAK2 (Janus quinase 1 e 2) mostraram potencial relevância e podem ter alguma implicação clínica, pois há associação entre a perda de função desses genes e a carcinogênese do tumor de endométrio.
As imunoterapias logo estarão disponíveis para uso no tratamento dos tumores ginecológicos. Os estudos atuais são encorajadores, mas há muito ainda a ser descoberto e, esperançosamente, aguardamos por mais respostas que hão de vir dos estudos em andamento. Muitos pontos necessitam de mais esclarecimentos – um desafio para a pesquisa médica nos dias atuais – entretanto, já percebemos que a introdução das imunoterapias ao arsenal terapêutico contra os tumores ginecológicos é iminente e que devemos estar informados sobre tais agentes.
Referência bibliográfica:
O estudo pode ser lido na íntegra no seguinte endereço:
http://www.cancertreatmentreviews.com/article/S0305-7372(17)30122-6/abstract
Ventriglia J, Paciolla I, Pisano C, Cecere SC, Di Napoli M, Tambaro R, Califano D, Losito S, Scognamiglio G, Setola SV, Arenare L, Pignata S, Pepa CD. Immunotherapy in ovarian, endometrial and cervical cancer: state of the art and future perspectives. Cancer Treatment Reviews. September 2017; 59: 109–116. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ctrv.2017.07.008.