14 dez MANEJO DAS TOXICIDADES DA IMUNOTERAPIA – DIRETRIZES DE PRÁTICA CLÍNICA DA ESMO PARA DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E ACOMPANHAMENTO
INTRODUÇÃO
Prezados(as) Doutores(as),
O Programa de Educação Médica Continuada do Instituto Oncoclínicas tem por objetivo o aperfeiçoamento do
ensino, da pesquisa, da formação profissional e das técnicas médicas diagnósticas e terapêuticas, especialmente
no campo da oncologia. O nosso site (https://www.instituto-oncoclinicas.org.br) é um arsenal de conteúdos
científicos relevantes para a prática clínica. Entre eles, estão newsletters, bancos de aulas, artigos comentados,
publicações e entrevistas. Acesse e confira.
A seguir, temos o prazer de compartilhar mais uma de nossas newsletters científicas. Nesta edição, abordamos
o manejo das toxicidades da imunoterapia, que expande as possibilidades de tratamento para os pacientes
oncológicos. Os imunoterápicos são uma promessa, mas estão associados a algumas toxicidades e, para seu
gerenciamento, a ESMO desenvolveu diretrizes para diagnóstico, tratamento e acompanhamento, publicadas
em julho/2017.
E, dando continuidade às ações do Programa de Educação Médica Continuada do Instituto Oncoclínicas,
temos o prazer de disponibilizar este material. Esperamos que seja de grande utilidade a todos os envolvidos
no cuidado do paciente e nos colocamos à disposição.
Instituto Oncoclínicas
A imunoterapia com anticorpos monoclonais anti-CTLA-4 e anti-PD-1 tornou-se o padrão de tratamento em
muitas doenças oncológicas na atualidade.
Contudo, alguns eventos adversos associados a esse tratamento vêm sendo descritos e afetam potencialmente,
de maneira imunomediada, todos os sistemas de homeostase.
Pacientes em uso de ipilimumabe (anti-CTLA-4) relataram toxicidade na pele após 8 a 12 semanas de uso do
medicamento, a maioria de grau 1 ou 2 e um menor número, de grau 3 ou 4. Esse evento adverso foi observado
em doses de 3 mg/kg de ipilimumabe e, em maior intensidade, em doses de 10 mg/kg do fármaco.
O evento adverso mais relatado relacionado ao uso de anti-PD-1 (nivolumabe ou pembrolizumabe) é a fadiga
e, mais raramente, o hipotireoidismo.
Além disso, a associação de nivolumabe com ipilimumabe eleva a incidência de eventos adversos.
A imunoterapia combinada com um agente anti-CTLA-4 e um anti-PD-1/PDL-1 foi aprovada apenas para
pacientes com melanoma metastático, mas é provável que em breve essa combinação seja aprovada para
outros tipos de câncer.
Os eventos adversos relacionados ao tratamento no estudo CheckMate 067 estavam presentes em grande
parte dos pacientes. Em 55% deles, os eventos foram de grau ≥ 3. Nesse estudo, a dose utilizada na combinação
foi ipilimumabe 3 mg/kg e nivolumabe 1 mg/kg.
O tempo para início do desenvolvimento das toxicidades de graus 3 e 4 é diferente na monoterapia com
nivolumabe e na imunoterapia combinada. Os eventos adversos relacionados à imunidade (irAEs) podem se
desenvolver precocemente com a terapia combinada, mas também podem começar após longo período de
tempo. De um modo geral, os irAEs iniciam precocemente, cerca de semanas até três meses após o início do
tratamento. A biopsia tecidual é indicada para toxicidades graus 3 e 4, cuja etiologia da complicação ainda
não esteja bem estabelecida.
MANEJO DAS TOXICIDADES DA IMUNOTERAPIA – DIRETRIZES DE PRÁTICA
CLÍNICA DA ESMO PARA DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E ACOMPANHAMENTO
Ao iniciar a imunoterapia, o paciente deve ser bem orientado a respeito dos possíveis efeitos colaterais.
Pacientes com história de doenças autoimunes ou em tratamento dessas geralmente foram excluídos dos
estudos clínicos e devem ser informados sobre seu maior risco.
Em casos de toxicidade de grau ≥ 3, a imunoterapia deve ser descontinuada e a administração de drogas
imunossupressoras ou imunomoduladoras deve ser iniciada.
O tratamento consiste em doses elevadas de corticosteroides, antagonista de TNF-α, micofenolato e tacrolimo,
necessários para minimizar essas toxicidades. Importante lembrar que o tratamento de longo prazo (> 6
semanas) com drogas imunossupressoras ou o uso de infliximabe aumenta a possibilidade de infecções
oportunistas. A profilaxia dessas infecções deve ser considerada de acordo com as diretrizes locais.
TOXICIDADES FREQUENTES
• Toxicidade cutânea
As alterações de pele de início precoce estão entre as mais frequentes reações adversas observadas pelos
pacientes em uso de imunoterapias (ipilimumabe, nivolumabe ou pembrolizumabe). Erupção cutânea,
vitiligo e prurido são as mais relatadas pelos usuários, sendo o vitiligo visto principalmente no tratamento de
pacientes portadores de melanoma. O desenvolvimento de vitiligo pode ser considerado inclusive um preditor
de boa resposta ao tratamento. Exacerbação da psoríase também foi associada a essas drogas, bem como
as reações cutâneas liquenoides em pacientes sem história de tal doença de pele. Avaliar a etiologia dessas
alterações cutâneas é importante para eliminar outras possíveis causas de doenças de pele.
Histopatologicamente, as doenças de pele podem ser categorizadas em quatro grupos: a) doenças
inflamatórias da pele, que compreendem a inflamação de forma aguda, subaguda e crônica; b) lesões
cutâneas semelhantes à dermatite herpetiforme; c) alterações dos queratinócitos, como a doença de
Grover; d) reação imunológica mediada pela alteração de melanócitos (melanose tumoral e vitiligo).
O manejo das erupções cutâneas varia de acordo com a classificação de CTCAE (Common Terminology Criteria
for Adverse Events) que classifica as toxicidades de grau 1 a 4, de acordo com a intensidade dos sintomas.
Quando classificada como grau 1, o uso da imunoterapia pode ser continuado e os sintomas devem ser tratados
com emolientes tópicos, anti-histaminicos orais e corticosteroides tópicos. Já quando classificada como grau 2,
o tratamento também pode ser continuado, contudo a avaliação semanal do paciente é importante; erupções
cutâneas de graus 3 e 4 devem ter o tratamento imunoterápico imediatamente interrompido, até que os
sintomas cessem ou retornem ao grau 1, e corticoterapia sistêmica deve ser considerada.
Endocrinopatias imunomediadas
As alterações endócrinas, mais precisamente da tireoide, são pouco observadas quando relacionadas às
terapias imunes; hiper e hipotireoidismo já foram relatados. Pouco se sabe sobre a patogênese do processo,
apenas que ele é mediado por células T. A disfunção tireoidiana é mais comum após o tratamento com
anti-PD-1/PD-L1 ou no tratamento com a combinação de anti-CTLA-4 e anti-PD-1/PD-L1.
Mesmo com hipotireoidismo subclínico, o tratamento com hormônio tireoidiano deve ser considerado
em caso de fadiga ou outras queixas que possam ser atribuídas ao hipotireoidismo. Em pacientes
sintomáticos, especialmente no caso do hipertireoidismo, o tratamento com betabloqueadores deve ser
iniciado (propranolol ou atenolol). Raramente esteroides são requeridos. Nesses casos, o tratamento
com imunoterápicos deve ser interrompido até a recuperação dos sintomas.
É importante mencionar que hipofisite, principalmente com uso de Ipilimumabe, pode ocorrer por
mecanismos ainda desconhecidos e que pode estar associada a sintomas visuais e cefaleia. O tratamento
com imunoterapia deve ser interrompido, e a corticoterapia sistêmica deve ser iniciada imediatamente.
Diabetes Mellitus também pode ser desenvolvida apesar de ser pouco frequente e está relacionada
principalmente ao uso de agentes anti-PD1/PDL1.
• Toxicidade gastrointestinal
A toxicidade gastrointestinal da imunoterapia é bem descrita para o uso de anti-CTLA-4 e menos
frequente com uso de anti-PD-1/PDL-1. A combinação anti-CTLA-4 e anti-PD-1 pode estar relacionada a
formas mais graves e precoces de sintomas gastrointestinais.
A toxicidade gastrointestinal é um dos mais frequentes e mais severos efeitos adversos do uso de anti-
CTLA-4, sendo a diarreia o sintoma mais comumente descrito. Perfuração de cólon, dor abdominal,
hematoquezia, perda de peso, vômitos, lesões ulceradas na boca e fistulas anais são também vistas,
com menos frequência.
O início dos sintomas gastrointestinais (GI) podem ocorrer a qualquer momento durante a terapia anti-
CTLA-4. A enterocolite pode surgir meses após a última dose de ipilimumabe. Os principais diagnósticos
diferenciais de enterocolite anti-CTLA-4 são infecções do trato GI e sintomas relacionados ao tumor.
Análises de fezes para patógenos bacterianos e toxina Clostridium difficile devem ser realizadas em
todos os pacientes com diarreia significativa tratados com anti-CTLA-4.
A avaliação da gravidade dos sintomas depende da escala CTCAE, sendo que diarreia grave corresponde à
diarreia grau 3-4 ou grau 1-2 associada à desidratação, febre, taquicardia ou hematoquezia. Recomenda-se
sigmoidoscopia ou colonoscopia flexíveis em pacientes com diarreia grave ou diarreia persistente em grau
2. Nesses casos, é indicado interromper a terapia anti-CTLA-4, e os pacientes devem receber corticosteroides
sistêmicos (metilprednisolona 1-2 mg/kg por dia, IV). A droga deve ser modificada e administrada via oral
por 8 a 12 semanas em pacientes que tiverem uma resposta com corticosteroides IV dentro de 3-5 dias.
Nas colites persistentes, o infliximabe pode ser uma opção terapêutica para pacientes refratários à
corticoterapia, com relato de boas respostas. Pacientes com diarreia não severa devem ser tratados com
antidiarreicos e suplementação de fluidos e eletrólitos, se necessário.
• Pneumonite imunomediada
A pneumonite é uma toxicidade com características clínicas, radiológicas e patológicas variáveis, observada
mais frequentemente com o uso de terapia com anti-PD-1/PD-L1 e, mais raramente, com anti-CTLA-4.
As toxicidades são mais comuns quando anti-PD-1/PD-L1 são combinados com anti-CTLA-4.
Pneumonite intersticial aguda/síndrome de danos alveolares difusos (DADS) é o evento mais agudo e
ameaçador da vida. A pneumonite, bem como uma sarcoidose granulomatosa pulmonar, foi descrita e
pode resultar em dificuldades no diagnóstico diferencial com progressão da doença.
Considerando que os eventos adversos pulmonares são mais frequentemente relacionados à progressão
da doença, particularmente no contexto do câncer de pulmão ou metástases pulmonares, qualquer
sintoma respiratório novo deve ser investigado para excluir formalmente a toxicidade pulmonar. Todos
os pacientes que apresentarem sintomas pulmonares, como infecção de vias aéreas superiores, tosse
persistente, dispneia ou hipóxia, devem ser avaliados por tomografia computadorizada (TC). Qualquer
sintoma ou sinal respiratório deve ser cuidadosamente monitorado.
No caso de suspeita documentada de pneumonite, o tratamento imunossupressor deve ser iniciado
imediatamente. Idealmente, uma infecção deve ser descartada por broncoscopia, especialmente no caso
de pneumonite grau 2, para que se introduza com segurança o tratamento imunossupressor. A maioria
dos estudos defende a administração via oral ou intravenosa de antibióticos de amplo espectro em
paralelo ao tratamento imunossupressor caso o estado infeccioso não possa ser avaliado de forma
confiável. Para a pneumonite de grau 1 a 2, o tratamento consiste em esteroides orais como prednisona
1 mg/kg diário ou equivalente. Pacientes devem ser clinicamente e radiologicamente avaliados a cada
2-3 dias inicialmente. Os esteroides devem ser usados durante 4-6 semanas após a recuperação, e a
reintrodução da imunoterapia deve ser adiada até a utilização de dose mínima diária de esteroides
(≤ 10 mg de prednisona oral por dia).
TOXICIDADES RARAS
• Neurotoxicidade
Uma série de eventos neurológicos foram descritos, incluindo polineuropatia, paralisia do nervo facial,
desmielinização, miastenia gravis, síndrome de Guillain-Barré, leucoencefalopatia posterior reversível,
mielite transversal, neuropatia entérica, encefalite e meningite asséptica. É importante o diagnóstico
diferencial de progressão do câncer, crise convulsiva ou infecção como causas de comprometimento
neurológico. A depender da apresentação clínica e da imagem em sistema nervoso central, estudos de
condução nervosa e punção lombar podem ajudar no diagnóstico.
• Toxicidade cardíaca
A incidência de eventos adversos cardíacos é menor que 1%, mas uma ampla gama de toxicidades
incluindo miocardite, pericardite, arritmias, cardiomiopatia e alteração da função ventricular foram
relatadas após o tratamento com ipilimumabe, pembrolizumabe e nivolumabe. A incidência de toxicidade
cardíaca é maior com a combinação de ipilimumabe e nivolumabe quando comparada ao nivolumabe
isolado. A consulta prévia com um cardiologista é recomendada. Altas doses de corticosteroides foram
utilizadas com sucesso para tratar os efeitos colaterais cardíacos e devem ser instituídas rapidamente
se a imunoterapia induzir eventos adversos suspeitos.
• Toxicidade reumatológica
As mialgias leves ou moderadas e as artralgias ocorrem em 2% -12% de pacientes e são mais comuns
com agentes anti-PD-1. Vasculite, polimiosite, miosite e artrite temporal também foram descritas.
• Toxicidade renal
A disfunção renal é rara com ipilimumabe e com terapia anti-PD-1, ocorrendo em menos de 1% dos
pacientes tratados. A incidência é maior com a combinação de ipilimumabe e nivolumabe, atingindo
toxicidade de graus 3 e 4. Do mesmo modo, terapia sequencial com ipilimumabe seguido por nivolumabe
está associada à alta incidência de nefrite graus 3 e 4. Sódio sérico, potássio, creatinina e ureia devem ser
monitorados antes de cada infusão de imunoterapia, e a alteração da função renal deve ser gerenciada
inicialmente por meio da interrupção de drogas nefrotóxicas (incluindo medicamentos em excesso).
• Outras toxicidades
Os eventos adversos oculares são bem raros e incluem inflamação ocular tais como ceratite ulcerativa
periférica, uveíte, síndrome de Vogt-Koyanagi-Harada e orbitopatia associada à tireoide.
Por último, alterações do sistema hematopoiético podem ocorrer, como anemia hemolítica, anemia
aplástica letal e púrpura trombocitopênica.
Cordialmente,
Instituto Oncoclínicas
1. Haanen JBAG, Carbonnel F, Robert C, et al. Management of toxicities from immunotherapy:
ESMO clinical practice guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Annals of Oncology 28
(supplement 4): iv119–iv142, 2017. doi:10.1093/annonc/mdx225.