ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS

ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS

INTRODUÇÃO

Prezados(as) Doutores(as),

O Programa de Educação Médica Continuada do Instituto Oncoclínicas tem por objetivo o aperfeiçoamento do ensino, da pesquisa, da formação profissional e das técnicas médicas diagnósticas e terapêuticas, especialmente no campo da oncologia. O nosso site (https://www.instituto-oncoclinicas.org.br) é um arsenal de conteúdos científicos relevantes para a prática clínica. Entre eles, estão newsletters, bancos de aulas, artigos comentados, publicações e entrevistas. Acesse e confira.

A seguir, temos o prazer de compartilhar mais uma de nossas newsletters científicas. Nesta edição, abordamos os principais tópicos tratados no artigo Pancreatic Adenocarcinoma: Improving Prevention and Survivorship, publicado no periódico ASCO Educational Book 2017. O objetivo desta revisão narrativa é discutir o mais alto nível de desenvolvimento e as futuras perspectivas no manejo do adenocarcinoma pancreático.

E, dando continuidade às ações do Programa de Educação Médica Continuada do Instituto Oncoclínicas, temos o prazer de disponibilizar este material. Esperamos que seja de grande utilidade a todos os envolvidos no cuidado do paciente e nos colocamos à disposição.

Instituto Oncoclínicas

 

ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS: OTIMIZANDO A PREVENÇÃO E A SOBREVIDA

O adenocarcinoma pancreático continua a ser um grande desafio para a oncologia. Apesar de sua incidência estar aumentando lentamente, os desfechos clínicos não vêm melhorando de maneira significativa com o tempo. Em 2017, são esperados nos Estados Unidos 53.670 novos casos, e até 2030 a doença será a segunda causa principal de morte relacionada ao câncer no país. Os principais motivos para este cenário desalentador são o diagnóstico tardio e a eficácia limitada das terapias sistêmicas disponíveis. A prevenção, o diagnóstico precoce e a melhora nas abordagens terapêuticas são as estratégias que devem ser perseguidas na tentativa de mudar este panorama.

ABORDAGEM DO CÂNCER DE PÂNCREAS RESSECÁVEL

A definição sobre a ressecabilidade do câncer de pâncreas é baseada principalmente na sua relação com as estruturas vasculares circunjacentes: ausência de interface tumor-artéria (artéria celíaca, artéria hepática comum, artéria mesentérica superior e hepática direita); ausência de acometimento ou acometimento menor que 180o da veia porta e da mesentérica superior e patência da confluência das veias porta e esplênica; ausência de metástases à distância incluindo linfonodos não regionais. Baseados nestes critérios, 15% a 20% dos casos de câncer de pâncreas são ressecáveis ao diagnóstico.

O tratamento padrão para a doença ressecável é a cirurgia seguida de quimioterapia adjuvante, até recentemente com gencitabina. O estudo ESPAC 4 mostrou a superioridade em sobrevida global da combinação gencitabina/ capecitabina comparado com gencitabina isolada (28 meses versus 25,5 meses HR=0,82. IC95% 0,68-0,98.
p=0.032). Este foi o primeiro estudo randomizado a demonstrar uma média de sobrevida global de mais de dois anos e definiu um possível novo esquema padrão de tratamento.

O consenso que está se formando na atualidade é do câncer de pâncreas como uma doença sistêmica desde o seu surgimento. Dessa forma, a estratégia do tratamento quimioterápico neoadjuvante utilizando esquemas de comprovada eficácia na doença avançada, como FOLFIRINOX e gencitabina/nab-paclitaxel, tem sido avaliada em diversos estudos clínicos. Os resultados destes estudos são aguardados com grande expectativa pela possibilidade de mudar drasticamente a abordagem em relação à doença inicial ressecável.

A melhor forma de se realizar o seguimento evolutivo dos pacientes após o tratamento inicial de intuito
curativo permanece incerta. O uso seriado de exames de imagens e marcadores tumorais (CA 19-9) não é recomendado por falta de dados que demonstrem benefícios clínicos dessas intervenções. Dados limitados sugerem que eles podem simplesmente contribuir para um “viés de antecipação” em relação à recidiva. Infelizmente, a detecção precoce da recorrência do câncer de pâncreas ainda não se traduz em melhora de desfechos clínicos.

 

ABORDAGEM MULTIMODAL DO CÂNCER DE PÂNCREAS DE RESSECABILIDADE LIMÍTROFE (BORDERLINE RESECTABLE)

A definição de câncer de pâncreas de ressecabilidade limítrofe (BRPC) está evoluindo. Uma abordagem atual é avaliá-la sob três diferentes perspectivas: (1) BRPC anatômico, baseado na interface entre o tumor e as estruturas vasculares adjacentes; (2) BRPC biológico, caracterizado por doença metastática questionável ou indeterminada; (3) BRPC por comorbidades, incluindo pacientes com baixo índice de desempenho e/ou comorbidades graves. Inúmeras definições de BRPC anatômico existem, sendo o maior ponto de discordância entre elas o grau de envolvimento das veias mesentérica superior e porta, conforme observado na tabela abaixo.

TABLE 3. Comparison of Borderline Ressectable Pancreatic Cancer Definitions
  AHPBA/SSAT/SSO MDACC NCCN Intergroup
SMV-PV Abutment/encasement/occlusion Occlusion Interface > 180°
SMA Abutment Abutment Abutment Interface < 180°
CHA Abutment/short-segment encasement Abutment/short-segment encasement Abutment/short-segment encasement Reconstructable short-segment interface
CA Clear Abutment Clear Interface < 180°

 

Alguma heterogeneidade na definição de BRCP também está relacionada à experiência dos médicos e do
serviço envolvidos no cuidado desses pacientes, uma vez que a avaliação em centros de referência pode levar a uma mudança no manejo em 20% a 30% dos casos. É importante ressaltar que a evidência de infiltração vascular nos exames de imagem representa o estigma de doença avançada, levando a um risco maior de ressecções incompletas (R1/R2) e metástases a distância.

O BRCP biológico corresponde àquela doença tecnicamente ressecável, mas que carrega uma grande probabilidade de metástases ocultas. A proporção de pacientes que desenvolvem a recorrência do tumor e morrem no período de até um ano a partir da cirurgia pode atingir 37%. Os fatores associados a esta recidiva precoce incluem CA 19-9 elevado (particularmente se maior que 100 a 200), presença de dor nas costas como sintoma inicial e duração de sintomas por mais que 40 dias. Um estudo recente que analisou 10.806 pacientes com câncer de pâncreas em estágio inicial no National Cancer Database (NCDB) mostrou que aqueles com CA 19-9 maior que 37 U/mL tiveram diminuição significativa de sobrevida em um e três anos (56% versus 68% e 15% versus 25%, respectivamente) quando comparados com os pacientes com níveis normais de CA 19-9.

A cirurgia do câncer de pâncreas é considerada um procedimento altamente invasivo e com elevada taxa de morbidade pós-operatória. Dados populacionais nos Estados Unidos indicam que pouco mais da metade (51% a 54%) dos pacientes operados têm condições de receber o tratamento adjuvante planejado. Essa dificuldade é ainda maior em pacientes com comorbidades e/ou baixo índice de desempenho, o que corresponde ao BRPC por comorbidades.

Atualmente, não existe um tratamento padrão estabelecido para o BRPC. A participação em um ensaio clínico é o ideal. O tratamento neoadjuvante parece ser o adequado apesar de não existirem evidências provenientes de estudos prospectivos. Dados iniciais parecem suportar o uso dos esquemas mais ativos no tratamento da doença sistêmica como FOLFIRINOX e gencitabina/nab-paclitaxel. Existe também um debate considerável sobre o papel da radioterapia neoadjuvante em adição à quimioterapia, que poderia ser particularmente importante para facilitar ressecções com margens livres.

O tratamento cirúrgico após a terapia neoadjuvante deve ser reservado para pacientes com bom índice de
desempenho (ECOG score ≤ 1) e com ausência de progressão local ou sistêmica, mesmo na ausência de uma resposta radiológica documentada. Devido ao componente estromal denso do câncer de pâncreas, mesmo na
presença de uma resposta patológica notável, a imagem pode permanecer radiologicamente inalterada. O
papel da terapia adjuvante após a ressecção do BRPC tratado com terapia neoadjuvante permanece indefinido.

 

CÂNCER DE PÂNCREAS HEREDITÁRIO: VIGILÂNCIA E MANEJO

Acredita-se que aproximadamente 10% dos casos de câncer de pâncreas têm origem familiar. Múltiplos estudos demonstraram que a história familiar da doença em um parente de primeiro grau confere um risco significativamente elevado, e esse risco aumenta com o número de indivíduos afetados na família, podendo chegar a 32x o de um indivíduo com história familiar negativa.

A pancreatite hereditária é outro importante fator de risco para o desenvolvimento do câncer de pâncreas, aumentando a sua chance de ocorrer em até 87x nos indivíduos afetados.

Além disso múltiplas síndromes hereditárias também conferem um risco elevado de desenvolver câncer de pâncreas: síndrome do nevo displásico (p16/CDKN2A), síndrome do câncer de mama e ovário hereditário (BRCA1, BRCA2 e PALB2), síndrome de Lynch (genes de reparo de incompatibilidade de DNA hMSH2, hMLH1, hPMS1, hPMS2 e HMSH6/GTBP) e a síndrome de Peutz-Jeghers (STK11). Entre os casos de câncer de pâncreas, 5% a 10% são atribuídos a estas síndromes hereditárias.

As formas hereditárias e esporádicas de câncer de pâncreas apresentam manifestações clínicas semelhantes, e o tratamento segue os mesmos princípios. Muita atenção deve ser dada à pesquisa da história familiar dos pacientes, uma vez que guidelines específicos para rastreio e vigilância em populações especiais foram publicados, conforme pode-se observar na tabela ao lado.

TABLE 4. Summary of Published Guidelines for Screening for Pancreatic Cancer
    PUBLISHED GUIDELINES
CRITERION Relative Risk for PC 4th International Symposium CAPS Consortium ACG 2015
More than 3 relatives with PC Up to 32

Two relatives with PC, one an FDR Up to 6

Known carrier of PJS (STK11 gene) 132

Known carrier of HBOC (BRCA1, BRCA2, and PALB2 genes) 3-10

Known carrier of FAMMM (p16 gene) 13-36

Known carrier of Lynch syndrome (DNA-mismatch repair genes) 8.6

Known diagnosis of hereditary pancreatitis (PRSS1, SPINK1, and other genes) 50-82

 

CONCLUSÕES

O câncer de pâncreas segue como um problema relevante e crescente em oncologia. Estamos adquirindo paulatinamente um melhor entendimento de sua biologia, especialmente no que diz respeito às alterações genômicas somáticas e germinativas e seus papéis como fatores patogênicos, preditores e prognósticos. Abordagens mais eficazes e menos invasivas estão minimizando a morbidade e a mortalidade historicamente observadas no tratamento cirúrgico da patologia. Além disso, novos esquemas de tratamento sistêmico de maior intensidade têm demonstrado algum ganho. No entanto, o objetivo final de uma melhoria considerável nos resultados clínicos exigirá ainda pesquisa, estudos clínicos, cuidados multidisciplinares e um árduo trabalho de grupos colaborativos internacionais.

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